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sábado, 27 de fevereiro de 2010

O problema dos falsos mestres e o seu enfrentamento na Igreja Apostólica: Um estudo em 1-3 de João e Judas

INTRODUÇÃO
Alguns demônios vigiavam de perto um homem de boas intenções quando, de repente, ele se abaixou para pegar algo no chão. Aflitos, os demônios perguntavam entre si: O que ele encontrou o que ele encontrou?
Um pedaço da verdade, respondeu um deles. Quase todos eles ficaram muito preocupados: O que faremos? O mais experiente deles, porém, procurava acalmá-los: Não faremos nada. Fiquem calmos, não há com o que se preocupar. Como não? Afinal, ele achou um pedaço da verdade.
Não há com o que se preocupar, repetiu o demônio, vocês ainda não sabem o que um homem de boas intenções e apenas um pedaço da verdade pode fazer?
Não!
O de sempre, respondeu ele, uma nova heresia.

QUEM ERAM OS FALSOS MESTRES?
A Igreja cristã primitiva tinha problemas, um bom exemplo disto é a Carta aos Coríntios, além de problemas de ordem moral, litúrgica... Segundo o Doutor Roque Frangiotti, a Igreja também enfrentava alguns problemas de ordem de estrutura interna, eis o que ele diz
Pesquisas mais recente mostram que aquilo a que chamamos “cristianismo primitivo” era bem mais complexo do que a hipótese de Daniélou. Admite-se, cada vez mais que havia no interior destes grupos, pelo menos quatro tendências diferentes e até mesmo de oposição radical

Este dado é fundamental para compreendermos o fundo histórico que proporcionou o surgimento dos falsos mestres e de seus ensinos e conseqüente aceitabilidade de suas posições por parte de alguns. Frangiotti enumera as quatro tendências como “judaizante radical, judaizante moderada, helenista, helenista radical” Quando observamos isto, podemos responder questões do tipo: De onde os falsos mestres tiraram as influências para elaborarem suas doutrinas? Algumas das características dos helenistas radicais segundo Frangiotti eram
Motivados pela liberdade em Cristo, pregada e defendida por Paulo, pela fé que salva, não pelas obras da Lei, exageraram pelo lado oposto dos judaizantes. Rejeitavam radicalmente a Lei e alimentavam posicionamentos hostis ao judaísmo. Exageravam tanto a liberdade, a ponto de participar dos cultos pagãos e se rebelavam contra a Lei permitindo certa licenciosidade

Baseados nisto, podemos perceber uma tendência antinomiana. No meu entender o Rev. Augustus Nicodemus mesmo não usando a nomenclatura usada por Frangiotti, percebe algumas outras predisposições desta ala (helenistas radicais) do cristianismo primitivo, quando diz
Ao que tudo indica, portanto, formas iniciais de gnosticismo estavam agindo nas igrejas durante o período apostólico, especialmente nas igrejas helenísticas, onde pagãos haviam se convertido e trazido sua bagagem cultural e neoplatônica para dentro das primeiras comunidades cristãs.

A Questão das heresias se espalharem se deve ao fato da existência dos pregadores itinerantes que pregavam um evangelho falso. Com isto não se quer dizer que todo pregador itinerante fosse herege. O Rev. Augustus Nicodemus comentando sobre os falsos mestres que João enfrentou nos seus escritos diz
Aparentemente, eram pregadores ambulantes (prática comum naqueles dias, cf. os peripatéticos de Aristóteles que saíam pelo mundo afora procurando enganar as pessoas e tentando disseminar seus ensinos nas comunidades cristãs (2. 26; 4.1,5)

É fato que quando olhamos na 1 carta de João, esses falsos mestres negavam que Cristo tivesse vindo em carne (4.2; 2 Jo 7) diziam que o Senhor tinha “aparência” de humano, ou seja, a encarnação não tinha acontecido e a morte de Cristo fora uma farsa Este ensinamento é conhecido como docetismo (dokeo, parecer), além disto, eles também tinham uma prática contrária à Lei de Deus. Em versos como 1 João 3. 4-10 dá a entender que João está combatendo um ensino contrário a Lei de Deus. Sendo assim, os adversários de João eram antinomianos.
Com respeito a Judas o Rev. Paulo Siepierski identifica o ensino dos falsos mestres como
Um tipo de antinomianismo que pode ter tido sua origem em interpretações equivocadas do ensino paulino sobre a liberdade do cristão em relação à lei de Moisés. Esse antinomianismo era disseminado por mestres itinerantes que entravam nas comunidades cristãs ensinando a rejeição da autoridade moral e, conseqüentemente, estimulando o comportamento amoral

Por causa da aparência antinomiana das epistolas de 1 João e Judas, Bortolini diz
De fato, os adversários criticados nas cartas de João têm algo em comum com os que são condenados na carta de Judas. Se essa hipótese se sustenta, a carta poderia ter sido endereçada a comunidades cristãs da Ásia Menor (Éfeso e seus arredores), mas não necessariamente às comunidades joaninas.

COMO TIVERAM ACESSO ÀS COMUNIDADES CRISTÃS PRIMITIVAS?
Isto é uma questão interessante. Como esses falsos mestres tinham acesso às igrejas? Como ganhavam à confiança de irmãos que muitas vezes desconheciam? A resposta está na concepção de hospitalidade que a Igreja tinha e não somente a Igreja. Na antiguidade ela tinha um caráter quase sagrado. Hamman diz “O estrangeiro que passava a soleira da porta era considerado mensageiro dos deuses ou de Deus” .
As Escrituras louvam o fato da hospedagem, O próprio João louva Gaio pela hospitalidade e censura Diótrefes por sua atitude. Hermann comentando sobre a hospitalidade, diz o seguinte
O elogio da hospitalidade está no Evangelho; os outros escritos do Novo Testamento insistem no dever da acolhida e explicam sua motivação espiritual. Quem recebe o estrangeiro recebe o próprio Cristo. Esse é um dos critérios para ser acolhido na casa de Deus

Os falsos mestres usaram a bondade dos irmãos da Igreja para espalhar falsos ensinos, a penetração dos falsos mestres fora tamanha e causou tão forte impacto, que no séc. II o didaqué estabelece diretrizes, Herman diz que estas diretrizes “impunha prudência, tanto mais que os falsos irmãos e os fautores de heresia começavam a se multiplicar-se. A cizânia crescia tanto como a boa semente” O Didaqué estabeleceu os seguintes critérios:
1 Se alguém vier até vocês ensinando tudo o que foi dito antes, deve ser acolhido. 2 Mas se aquele que ensina for perverso e expuser outra doutrina para destruir, não lhe dêem atenção. Contudo, se ele ensina para estabelecer a justiça e o conhecimento do Senhor, vocês devem acolhê-lo como se fosse o Senhor. 3 Quanto aos apóstolos e profetas procedam conforme o princípio do Evangelho. 4 Todo apóstolo que vem até vocês seja recebido como o Senhor. 5 Ele não deverá ficar mais que um dia ou, se for necessário, mais outro. Se ficar por três dias, é um falso profeta.

QUAL FOI O IMPACTO DE SEUS ENSINOS?
O impacto do ensino herético nas comunidades joaninas e nas que Judas escreveu foi ferrenho. É necessário atentar que naquela época não existia seminários, as pessoas eram simples, muitos escravos, mulheres e crianças, a igreja sofria perseguição por parte do Império. Muitas comunidades não dispunham de líderes preparados. Sendo assim, o falso ensino certamente iria causar grande prejuízo e de fato causou. Carson; Moo e Morris em seu livro dizem o seguinte “Algumas pessoas já saíram (1 Jo 2.18-19), e João está escrevendo para advertir seus leitores sobre falsos mestres que estão ativamente tentando enganá-los” A situação está tão grave que João instrui os cristãos a tomarem algumas atitudes. O texto de 2 Jo 9-11 diz o seguinte “Todo aquele que ultrapassa a doutrina de Cristo e nela não permanece não tem Deus; o que permanece na doutrina, esse tem tanto o Pai como o Filho. 10 Se alguém vem ter convosco e não traz esta doutrina, não o recebais em casa, nem lhe deis as boas-vindas. 11 Porquanto aquele que lhe dá boas-vindas faz-se cúmplice das suas obras más”.
No que diz respeito a Judas, a situação também não era muito diferente, Judas fala que certos indivíduos se introduziram no meio dos santos e transformam em libertinagem a graça de nosso Deus e negam o nosso único Soberano e Senhor, Jesus Cristo. (Jd.4) Judas iria escrever sobre soteriologia, mas muda de foco quando soube da existência destes indivíduos. Judas diz que alguns estão na dúvida e ordena salvai-os, arrebatando-os do fogo. (Jd 22,23). A igreja corria perigo e era necessária uma interferência forte contra estes falsos mestres. E é isto que o Apostolo João faz. Da mesma sorte, o meio irmão do Senhor, Judas.

REAÇÃO APOSTÓLICA (JOÃO)
Segundo O Rev. Augustus Nicodemus, João empregou três critérios para dar munição aos cristãos para que pudessem avaliar o ensino e vida dos falsos mestres, são eles: O teste moral, social e doutrinário.
A minha proposta é fazer uma amostra exegética nas passagens selecionadas que corroboram cada critério. O fato de não analisamos textos de 2 e 3 João se deve ao fato de cremos que as informações contidas nos textos de 1 João são referenciais de prevenção dadas pelo apóstolo e que definem seu pensamento apologético em todas as suas epístolas.
a- Teste moral: 1 João 2.3-6
b- Teste social: 1 João 4. 7,8
c- Teste doutrinário: 1 João 2. 22,23
1 João 2. 3-6 Kai. evn tou,tw| ginw,skomen o[ti evgnw,kamen auvto,n eva.n ta.j evntola.j auvtou/ thrw/men 4 o` le,gwn o[ti :Egnwka auvto,n kai. ta.j evntola.j auvtou/ mh. thrw/n yeu,sthj evsti,n kai. evn tou,tw| h` avlh,qeia ouvk e;stin\ 5 o]j d a'n thrh/| auvtou/ to.n lo,gon avlhqw/j evn tou,tw| h` avga,ph tou/ qeou/ tetelei,wtai evn tou,tw| ginw,skomen o[ti evn auvtw/| evsmen 6 o` le,gwn evn auvtw/| me,nein ovfei,lei kaqw.j evkei/noj periepa,thsen kai. auvto.j peripatei/n

Análise do Teste Moral:
Como sabemos que temos conhecido o Pai? O texto nos responde: Se guardamos os seus mandamentos. Quero destacar aqui o verbo “guardar” thrw/men este verbo é um subjuntivo presente ativo. Qual é a idéia do verbo? A Chave Lingüística diz o seguinte: “A palavra tem a idéia de observar ou manter algo fixo na memória. O subjuntivo é usado em uma oração condicional de terceira classe, que encara a condição como uma possibilidade” Aqui reside a diferença no aspecto moral, quem conhece o Senhor guarda os seus mandamentos. Os hereges que João combatia eram antinomianos. No 1 século da nossa era havia duas formas de um gnosticismo embrionário, “um asceta e outro libertino”. Tanto João quanto Judas combateram o tipo libertino do pré-gnosticismo.
No verso 4 existe uma junção lógica entre “conhecer e praticar” Não há como desassociar um do outro. Aquele que diz que o conhece e não guarda os seus mandamentos é mentiroso. João usa o verbo Egnwka este verbo está declinado como sendo indicativo perfeito ativo. Pelo tempo do verbo podemos perceber que eles de fato asseguravam que tinham chegado ao conhecimento e permaneciam nele. Entretanto, João diz que eles não guardam os mandamentos. O verbo thrw/n está declinado como sendo particípio presente ativo. Ou seja, enquanto eles dizem que tem o conhecimento e nele permanecem não estão guardando os mandamentos. João sentencia: yeu,sthj evsti,n “mentiroso é”. O substantivo está declinado como sendo nominativo e o verbo é um indicativo presente ativo. João não deixa dúvida de quem se está falando, o mentiroso é o sujeito do verso e este estado de ser mentiroso é descrito como algo contínuo. Enquanto ele for contraditório, ele é e continuará sendo mentiroso. E, por mas que digam que possui a verdade, ela não está nele.
No verso 5 João introduz uma conjunção hiperordenativa ou superordenativa “d” que segundo a análise gramatical “introduz uma oração que é mais proeminente do que aquela que se relaciona. Portanto, esta última é subordinada à oração regida pela conjunção superordenativa” João diz que aquele “o]j” ( Pronome relativo nominativo ) que guarda thrh/| (subjuntivo presente ativo) a chave lingüística diz “ O subjuntivo é usado com o pron. rel. com o significado de quem quer que guardar” . Ou seja, o que guardar a sua palavra, verdadeiramente o amor de Deus foi tetelei,wtai “aperfeiçoado, consumado” este verbo está declinado como sendo indicativo perfeito passivo, ou seja, o amor de Deus está de forma completa e seus resultados permanecem nele. A chave lingüística diz “o verdadeiro amor a Deus é expresso pela obediência moral e não por linguagem emotiva ou experiências místicas” E nisto sabemos ou conhecemos (ginw,skomen) que estamos (evsmen) Nele. Ambos os verbos estão no indicativo presente ativo, indicando continuidade.
No verso 6 João faz uma afirmação: Aquele que diz que permanece (me,nein) infinitivo presente ativo, o verbo transmite a idéia de uma estadia contínua. Esse deve andar (peripatei/n) infinitivo presente ativo. A idéia é de um andar contínuo. E este andar tem que ser como ele andou (periepa,thsen) indicativo aoristo ativo. Ou seja, o cristão precisa refletir em sua vida o comportamento de Cristo.
1 João 4:7-8 VAgaphtoi, avgapw/men avllh,louj o[ti h` avga,ph evk tou/ qeou/ evstin kai. pa/j o` avgapw/n evk tou/ qeou/ gege,nnhtai kai. ginw,skei to.n qeo,n 8 o` mh. avgapw/n ouvk e;gnw to.n qeo,n o[ti o` qeo.j avga,ph evsti,n

Análise do Teste Social:
Qual seria o fator prático do conhecimento de Deus? João estabelece um critério social que demonstraria a praticidade do verdadeiro conhecimento. João começa o verso 7 dizendo: Amados, amemos (avgapw/men) subjuntivo presente ativo. O amor precisa ser constante uns com os outros, João diz que o amor procede de Deus. Segue-se que todo aquele que ama ( avgapw/n) é nascido ( gege,nnhtai) indicativo perfeito passivo, o tempo do verbo indica um ação já realizada que tem seus efeitos contínuos, este homem não está nascendo, ele já é nascido e a prova deste nascimento é o amor. O homem que tem amor no coração, além de ser já nova criação, de fato conhece a Deus. O verbo conhecer ( ginw,skei ) indicativo presente ativo, indica um conhecimento que é constante. No verso 8 João faz uma declaração, ele diz: Aquele que não ama (avgapw/n) particípio presente ativo, a idéia do verso é de uma vida que não demonstra amor em suas atitudes. Este individuo não conheceu (e;gnw) indicativo aoristo ativo. O aoristo no indicativo indica uma ação passada e completa, ou seja, este homem nunca conheceu a Deus, ele é mentiroso. João dá agora a razão deste homem ser mentiroso: Deus é amor. Se ele conhecesse a Deus refletiria o que Deus é no seu relacionamento.
1 João 2:22-23 Ti,j evstin o` yeu,sthj eiv mh. o` avrnou,menoj o[ti VIhsou/j ouvk e;stin o` Cristo,j ou-to,j evstin o` avnti,cristoj o` avrnou,menoj to.n pate,ra kai. to.n ui`o,n 23 pa/j o` avrnou,menoj to.n ui`o.n ouvde. to.n pate,ra e;cei o` o`mologw/n to.n ui`o.n kai. to.n pate,ra e;cei

Análise do Teste Doutrinário:
Depois de vermos os testes moral e social. Vamos considerar o teste doutrinário imposto sobre os falsos mestres.
João começa o verso 22 usando um pronome interrogativo Quem? ( Ti,j) é o mentiroso, interessante que João não quer identifica qualquer mentiroso, ele quer identificar “o mentiroso” João escreve de forma bem especifica, ele sabe quem quer atingir. No texto João usa o` yeu,sthj Artigo nominativo masculino singular + Substantivo nominativo masculino singular. Será que João tinha um individuo especifico em mente? Razão por declinar o artigo e o substantivo no nominativo e no singular? Na seqüência do verso ele dá sua característica: Nega que Jesus é o Cristo. João usa um verbo aqui avrnou,menoj “negar” particípio presente, esta atitude dos falsos mestres era constante. João dá o seguinte parecer sobre quem estava negando, ou-to,j evstin o` avnti,cristoj “ este é o anticristo” temos aqui um pronome demonstrativo nominativo+verbo indicativo presente ativo+artigo nominativo masculino singular+Substantivo nominativo masculino singular. João usa um pronome demonstrativo declinado no nominativo, ou seja, ele apontar o sujeito. Este individuo que João focaliza tem por prática negar que Jesus é o Cristo e por ter esta atitude João o classifica como O anticristo. Observe o uso do artigo antes do substantivo, ambos declinados no nominativo. João diz que este individuo nega o Pai e o Filho. A idéia de João é apontar alguém, mas no mesmo capitulo nos verso 18 nos é dito que vem anticristos (avnti,cristoi) têm surgido. A questão é: O anticristo seria uma pessoa? Um sistema? Sproul diz o seguinte:
Mesmo que o anticristo de João fosse uma determinada pessoa no primeiro século, isso não exclui a possibilidade de que outros anticristos tenham surgido em várias épocas, ou mesmo continuamente, através da história da igreja. Essa especulação ganha, no mínimo, algum crédito baseada na referência de João a muitos anticristos (1 João 2.18) que precederam o anticristo

No verso 23 João estabelece o critério doutrinário de forma bem especifica: pa/j o` avrnou,menoj to.n ui`o.n “ Todo o que nega o Filho” João usou o verbo avrnou,menoj “no particípio presente médio. Esta atitude dos falsos mestres eram constantes. João diz que quem age assim não e;cei “tem” indicativo presente ativo, ou sejam, não tendo o Pai. Contudo, o que o`mologw/n “que fala igual” e;cei “tem” indicativo presente ativo, ou seja, tendo o Filho e também o Pai. Assim, João estabelece o teste doutrinário que seria juntamente com os outros dois testes uma espécie de farol para guiar os santos de Deus durante a sua jornada cristã e que eles não se tornassem vitimas do ensino dos falsos mestres.

REAÇÃO DE JUDAS
Judas não era apóstolo, identifica-se como irmão de Tiago e servo do Senhor Jesus. A quem a carta se destinava? Quem eram seus leitores originais?
Bortolini diz o seguinte:
Diferentemente da maioria das cartas do Novo Testamento, que têm uma comunidade (ou pessoa) bem definida desde o inicio, a carta de Judas é aberta (por isso classificada também como católica, ou seja, universal) sem endereço determinado. Podia ser uma carta circular para várias comunidades. Não se sabem de onde foi escrita nem a quem se destinava. Pode-se arriscar uma hipótese, relacionando-a com as cartas de João. De fato, os adversários criticados nas cartas de João têm algo em comum com os que são condenados na carta de Judas. Se essa hipótese se sustenta, a carta poderia te sido endereçado à comunidade cristãos da Ásia Menor (Éfeso e seus arredores), mas não necessariamente às comunidades joaninas. Aliás, a insistência com que a carta se refere ao Antigo Testamento e a textos judaicos apócrifos faz supor que muita gente nessas comunidades fosse de origem judaica

Qual o propósito desta carta? Em que Judas está interessado quando escreveu ela? Existiu algum motivo especifico?
É isto que procuraremos responder!
Green diz “que Judas escreve sua epístola com pressa para lidar com um surto de falso ensino acerca do qual acabara de ouvir falar”
Os estudiosos são de opinião unânime (mesmo os que advogavam que Judas não escreveu), que a epistola existiu por motivo apologético. Existia um surto de heresia, de falsos mestres na igreja, para a qual a carta foi dirigida.
Mas, qual seria este falso ensino? Green diz o seguinte:
Há concordância geral entre os comentaristas de que a heresia em mira é, em ambos os casos, uma forma primitiva de gnosticismo. As vidas e os ensinos destes homens negavam o Senhorio de Jesus (2 Pe 2.1; Jd 4). Conspurcavam a Ágape (festa do amor cristão), eram pessoalmente imorais, e infectavam aos outros com seus modos lascivos, através de reduzir ao mínimo o lugar da lei na vida cristã, e de enfatizar a liberdade (2 Pe 2. 10-12,18; Jd 4, 12) Nos seus ensinos, que eram muito volúveis, eram plausíveis e astutos, gostando da retórica, visando o lucro e obsequiosos com aqueles da parte dos quais esperavam ganhar alguma vantagem ( 2 Pe 2.3, 12, 14, 15, 18; Jd 16)

Ainda haveria mais coisas a dizer deste falso ensino; zombavam da doutrina paulina da livre graça em desculpa para a lascívia, e eles descreviam-se como sendo pneumatikois, os espirituais, embora na realidade não possuíssem o Espírito de modo algum.
Judas estava interessado tanto na salvação, como demonstrava uma preocupação pastoral de defender o rebanho, apesar de não ser apóstolo, revelava cuidado em escrever uma carta, conclamando a luta pela fé que uma vez foi dada aos santos.
É interessante a forma de argumentação de Judas, ele não combate a heresia de forma sistematizada, como se fosse um tratado de teologia, ele é simples em sua forma de argumentar. Apresenta personagens conhecidos do Antigo Testamento que viveram de forma ímpia. Baseado nisto, ele fala a respeito do juízo de Deus o qual não deixará impune os ímpios.
A minha proposta em Judas é fazer uma analise em dois versos (3-4) creio que estes versos têm muito a dizer sobre a reação de Judas
Judas 1:3-4 VAgaphtoi, pa/san spoudh.n poiou,menoj gra,fein u`mi/n peri. th/j koinh/j h`mw/n swthri,aj avna,gkhn e;scon gra,yai u`mi/n parakalw/n evpagwni,zesqai th/| a[pax paradoqei,sh| toi/j a`gi,oij pi,stei 4 pareise,duhsan ga,r tinej a;nqrwpoi oi` pa,lai progegramme,noi eivj tou/to to. kri,ma avsebei/j th.n tou/ qeou/ h`mw/n ca,rita metatiqe,ntej eivj avse,lgeian kai. to.n mo,non despo,thn kai. ku,rion h`mw/n VIhsou/n Cristo.n avrnou,menoi

Análise de Judas 3-4
O nosso texto começa com a saudação de Judas “ Amados”. Quem era esses amados? O primeiro verso responde: ... Aos chamados, amados em Deus Pai e guardados em Jesus Cristo, as expressões gregas são hvgaphme,noij kai. VIhsou/ Cristw/| tethrhme,noij klhtoij o verbo agapaw está no particípio perfeito hvgaphme,noij e indica a segurança destes amados, o perfeito sugere que eles tinham sido e continuavam sendo objetos do amor de Deus, sendo assim, quando o irmão do Senhor chama os eleitos de amados, é muito mais que um mero tratamento, é uma condição gloriosa que os filhos de Deus têm. Existe também outro verbo no verso primeiro que é mister relacionar é tethrhme,noij este verbo também está no particípio perfeito, e é usado em sentido amistoso e quer dizer manter livre de perigos, preservar. A palavra expressa cuidado vigilante dispensado a alguém. Quem é esse alguém? Os Amados.
Pois bem, o verso 3, fala que Judas estava fazendo algo, o texto diz: Amados, quando empregava toda a diligência em escrever-vos acerca da nossa comum salvação, foi que me sentir obrigado a corresponder-me convosco, exortando-vos a batalhardes diligentemente, pela fé que uma vez por toda foi entregue aos santos.
Michael Green em seu comentário diz:
Judas nunca teve o propósito de escrever esta carta! Propondo-se a escrever (o presente do infinitivo grafein sugere “num estilo lento?” acerca da nossa comum salvação foi forçado a pegar sua pena ás pressas (o aoristo infinitivo grayai) por causa da noticia de uma heresia perigosa. Ao invés de escrever uma carta pastoral, viu-se escrevendo uma carta de advertência. A fraseologia aqui não sugere que não era uma tarefa muita grata, mas se sentia obrigado

Ainda falando da mudança de assunto a Chave Lingüística diz o seguinte:
O aoristo contrastado com o presente precedente implica que a nova epístola tinha de ser escrita imediatamente e ele não poderia estar preparado para uma coisa agradável, como a carta que ele tinha planejado antes

A situação que leva o irmão do Senhor a escrever a carta é séria, vemos isto pelos usos das palavras no texto grego: avna,gkhn expressa necessidade, compulsão, pressão.
Outra palavra é parakalw/n part. Presente ativo de parakalew que significa exortar, rogar, encorajar. É a palavra usada para discursos de líderes e de soldados que se encorajam mutuamente.
A Chave Lingüística faz o seguinte comentário “É a palavra usada para as palavras que enviam soldados e marinheiros medrosos corajosamente para a batalha”. Será que ao usar esta palavra, Judas está comparado estes irmãos aos soldados e marinheiros medrosos?
Provavelmente não!
Mas, para que Judas conclamam os irmãos?
O verbo grego evpagwni,zesqai que quer dizer: lutar por, contender, exercer grande esforço por alguém. A respeito deles a Chave Lingüística diz “a palavra era usada para as disputas atléticas e para o esforço dos atletas nos jogos”
Os cristãos para quem Judas escreve, têm uma fé em comum. Judas fala sobre isto no começo do verso 3. Justamente por causa desta fé comum que todos têm. É que Judas exorta que ela deve ser defendida. A comunidade estava agora enfrentando um grande problema, e este problema era a invasão de homens maus. Siepierski em seu comentário diz o seguinte:
Entre essas dificuldades encontramos os falsos ensinos. E foi com esse problema que Judas se defrontou. Ao perceber que falsos mestres estavam corrompendo o ensino apostólico, ele insistiu para que eles batalhassem pela fé uma vez por todas confiada aos santos. O verbo principal era utilizado nos jogos atléticos helênicos e indica que Judas não está insistindo para que seus destinatários defendam o evangelho. Ao contrário, eles devem avançar até a vitória final

A idéia de batalhar está bem clara. Percebe isto pela figura que a palavra evoca, a idéia é de luta, não no sentido tanto de defesa, mas também de ataque, e esta atitude precisa ser diligente, esta é a fé que Judas incita a igreja a batalhar por ela. Esta fé foi dada à igreja não por um tempo determinado, ela era o que a igreja tinha de mais precioso, o Léxico define a[pax da seguinte forma “no texto de Hb. 10.2; 1 Pe 3.18; Jd 3, 5, o advérbio têm o significado de uma vez por todas, de uma vez para sempre”
Por que será que o irmão do Senhor diz que a fé foi dada de uma vez por todas. O apostolo Paulo diz na sua carta para Tito cap. 1. Verso 1 o seguinte: Paulo, servo de Deus e apóstolo de Jesus Cristo, para promover a fé que é dos eleitos de Deus e o pleno conhecimento da verdade segundo a piedade. Não existe coincidência. O que existe é um deposito de verdades. A fé é dom de Deus e pertence aos eleitos, não de forma passageira, mas permanente, e é isto que o texto nos diz. Se tivéssemos falando de Teologia Sistemática, diríamos que o texto dá base para certeza de salvação, garantia de que o crente não pode cair da graça, mas fazendo a exegese do texto, percebemos que é justamente isso que o texto diz, ou seja, a nossa teologia está correta. Esta fé foi dada para sempre aos santos, e os santos precisam ter atitudes na defesa e propagação dela. E esta fé é o corpo de verdades, confiada à igreja.
Quais foram os motivos que levaram Judas a escreve esta carta?
O verso 4 diz: Pois certos indivíduos se introduziram com dissimulação, os quais, desde muito, foram antecipadamente pronunciados para esta condenação, homens ímpios, que transformam em libertinagem a graça de nosso Deus e negam o nosso único Soberano e Senhor, Jesus Cristo.
Este verso é muito rico em detalhes e revela-nos doutrinas a respeito do homem e do plano que Deus tem na vida de cada um. Pois bem, vamos a análise.
Quem eram estes homens?
Siepierski vai dizer que eles eram bem conhecidos dos leitores de Judas.
Eram pregadores itinerantes que, como era costume no cristianismo primitivo, viajavam de comunidade em comunidades nas quais eram sempre bem recebidos como profetas do Senhor. Só que após serem recebidos esses pregadores itinerantes em questão começavam a ensinar contrariamente ao ensino dos apóstolos. Judas diz que eles infiltraram-se dissimuladamente, pois provavelmente esperavam um certo tempo para começar seu ensino. Somente após terem adquirido a confiança da comunidade é que iniciavam a propagação dos falsos mestres. Isso demonstra que tais pregadores possuíam uma estratégia para arrebanhar seguidores

Bortolini têm o mesmo parecer a respeito destes homens
O texto nos informa que estes homens foram antecipadamente pronunciados para esta condenação. O verbo progegramme,noi particípio perfeito passivo, faz necessário observarmos algumas questões a respeito do uso do tempo perfeito para este verbo. Como sabemos, o perfeito é realmente perfeito presente, pois representa a ação do verbo no presente como existindo num estado completo ou aperfeiçoado. Quando foi que se completou a ação, o tempo perfeito não afirma. O perfeito expressa a continuidade da ação completada. “É uma combinação da ação pontiliar e durativa”
Observe que o verbo está na voz passiva, ou seja, ele sofre a ação, quem pratica a ação neles? Logicamente o Senhor Soberano.
A Chave Lingüística comentando isto diz:
Escrever previamente, inscrever de antemão, isto é “escrito antes no livro divino de julgamento” a palavra objetiva mostrar que eles já estão destinados á punição por serem inimigos de Deus. O perfeito indica a autoridade contínua daquilo que foi escrito

Mesmo não concordando, Bortolini, que é católico diz:
Como dissemos, Judas não aceita o diálogo, e nós não sabemos exatamente por que chegou a essa decisão. De acordo com a tradição daquele tempo e segundo textos apócrifos conhecidos por aquelas comunidades, afirmava-se que num livro que Deus tinha no céu estava registrado antecipadamente o destino de cada um. Esse modo de pensar e de ver as coisas pode conduzir a uma visão muito distorcida de Deus. Parece que o autor foi “espiar” o que havia nesse livro

Fica manifesto o tom jocoso de Bortolini, em não aceitar o posicionamento bíblico.
Independentemente se os homens aceitam ou não, o fato é claro: eles foram inscritos de antemão. Foram para que? Para kri,ma ou seja sentença, julgamento. O texto começa a descrever suas atitudes, avsebei/j ímpios, irreligiosos, qual a razão de serem ímpios? Só uma: A falta da graça de Deus. Mas, como poderiam desfrutar da graça? Se já eram condenados e destinados para este fim? Estes homens têm atitudes desprezíveis e malignas, próprias dos reprovados, os quais transformam em libertinagem a graça de nosso Deus e negam o nosso único Soberano e Senhor, Jesus Cristo.

APLICAÇÕES PARA OS NOSSOS DIAS
1- A Igreja precisa conhecer as instruções dadas pelas Escrituras sobre qual ensino “de fato” procede de Deus.
2- A Igreja precisa de maturidade que provém de um conhecimento sadio.
3- Os ministros precisam entender que o êxito ministerial se evidência quando os santos são capacitados para o serviço a Deus.
4- A Igreja é chamada para batalhar pela fé e ter misericórdia de muitos que sucumbiram diante do falso ensino Jd. 23-23

CONCLUSÃO:
As instruções dadas por João e Judas servem para nortear a Igreja em dias difíceis. O pragmatismo e o pluralismo religioso devem ser combatidos. A Igreja do Senhor precisa ter sempre em mente a ordem de Judas “Vós, porém, amados edificando-vos na vossa fé santíssima, orando no Espírito Santo, guardai-vos no amor de Deus, esperando a misericórdia de nosso Senhor Jesus Cristo, para a vida eterna” 20-21

BIBLIOGRAFIA
APOSTILA de grego, Seminário Presbiteriano Conservador
BOTOLINI, José. Como ler a Carta de Judas. São Paulo-SP: PAULUS, 2001.
CARSON, D.A.; MOO, Douglas J.; MORRIS, Leon. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo-SP: VIDA NOVA; 2004
FRANGIOTTI, Roque. Histórias das Heresias (Séculos I-VII). 3ªed. São Paulo-SP: PAULUS, 2002
FRIBERG, Barbara; FRIBERG, Timothy. O Novo Testamento Grego Analítico. São Paulo-SP: VIDA NOVA, 2006.
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SITE CONSULTADO
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